Profissionais sentem medo de estar nas ruas
Cresce cada vez mais o número de jornalistas que já sofreram algum tipo de ataque, por motivo da profissão. São Paulo é o estado do país, com mais casos de violência. Só em 2018, foram registrados 28 casos de agressão a profissionais da imprensa. Já Santa Catarina, é um dos estados que possui um número bem menor. De acordo com dados do relatório da Federação Nacional de Jornalismo, em 2018 foram registrados quatro casos, em 2017, três foram registrados. A equipe do N1 tentou entrar em contato com a Federação Nacional de Jornalismo, para obter dados mais recentes, sobre violência contra a imprensa, mas as estatísticas são divulgadas uma vez por ano e ficam disponibilizadas no site da Federação. Você pode conferir a nota da FENAJ na íntegra no final desta matéria.
Um caso recente, foi quando uma jornalista que sofreu agressão, em razão da profissão, em janeiro, deste ano. A repórter Karina Koppe, da RIC TV, de Florianópolis, capital de Santa Catarina. Karina conta, em entrevista ao N1, que estava fazendo uma transmissão ao vivo e que um morador veio com um pedaço de madeira, ameaçando bater nela: “Estávamos fazendo uma transmissão ao vivo às sete horas da manhã para o Santa Catarina no Ar sobre os estragos causados pelo temporal da noite anterior na Lagoa da Conceição quando fomos atacados por um morador de rua. Ele veio, inicialmente, com um pedaço de madeira na mão ameaçando me bater, gritando palavrões e frases sem sentido.”
Karina disse que cortaram a transmissão e que se afastou do local, mas mesmo assim ele voltou a ameaçar a equipe, dessa vez, com uma pedra: “Recuei, cortaram a transmissão e esperamos ele se afastar. Quando não vimos mais ele fomos para o nosso carro para sair do local. Quando meu colega cinegrafista, Valdir Andrade, engatou a marcha ré ele veio correndo com uma grande pedra e atirou contra o carro. Primeiro pegou na lataria e então ele jogou de novo. A pedra entrou no carro e caiu próximo do freio de mão. Ele continuava gritando. Pegou outros pedaços de madeira quebrou o vidro atrás do carona e viu que eu estava sentada no banco da frente… Valdir saiu pediu pra ele parar. Ai então ele quebrou meu vidro. Nesse momento eu saí desesperada pela porta do motorista me arrastando no chão…”
Karina conta que pediu abrigo para um comerciante do local e que o suspeito quebrou o restante do veículo: “Por sorte um comerciante abria a porta do seu estabelecimento nesse exato momento. Eu pedi abrigo. Entramos no restaurante. Ele quebrou o restante do carro e então resolveu entrar no veículo. Quando ligou o carro moradores surgiram e tiraram ele do veículo. Seguraram ele com força até a chegada da polícia. Nesse tempo, que foi curto mas pareceu uma eternidade, ele continuava gritando, se debatendo… o que fez até com que os moradores se machucassem ao tentar segurá-lo. Quando a polícia chegou levou ele para delegacia. Fomos para lá também. Ele continuava gritando mesmo algemado. As frases não faziam sentido. E nem o nome dele ele falava. Descobriu-se então que ele tinha diversas passagens pela polícia e que muitas vezes foi internado no hospital psiquiátrico para cumprir a pena lá. Graças a Deus ele ainda está preso.
Karina ficou com vários hematomas e que para ela as dores físicas não foram nada perto do que poderia ter sido “Eu fiquei com alguns hematomas no corpo por conta dos estilhaços do vidro que atingiram meu braço pela forma como fugir de dentro do carro me batendo no volante e no freio de mão. Mas sei que essas dores físicas não foram nada perto do que poderia ter sido.”
Karina fez um desabafo e conta que foi difícil voltar a rotina, depois do acontecimento, disse também que espera justiça, para que ninguém mais sofra nenhum ataque do indivíduo: “Nesses 15 anos de experiência vivi muitas coisas como repórter. Muitas situações perigosas. Mas esse foi um dos maiores medos da minha vida. Foi difícil voltar a rotina depois desse fato. Deu medo, às vezes, ainda dá um sensação estranha dependendo de onde estamos para fazer os vivos… parece que vai acontecer de novo. Estamos sempre muito expostos. Sei dos riscos, mas uma violência gratuita dessa me deixou muito abalada.Agora espero justiça. Espero que ele seja condenado e pague pelo que fez. E mais do que isso que não fique livre para poder repetir esse ato. Para que nem eu e nem ninguém seja vítima desse homem.”
Outro caso que teve repercussão na mídia, foi o do jornalista Marco Antônio Mendes, que na época trabalhava na RBS TV Joinville, ele conta que sofreu dois ataques, também em consequência da profissão, o primeiro foi em 2010 e o segundo ano passado, durante a greve dos caminhoneiros. Confira a entrevista, abaixo:
O profissional da imprensa tem algum tramite a cumprir ou recomendação quando é vítima de quaisquer tipos de violência?
“A orientação dentro da empresa em que trabalho é, primeiramente, não reagir a qualquer tipo de violência. Em seguida, deve-se informar o mais rápido possível o gestor imediato para que as devidas medidas internas sejam tomadas. “
Vocês, repórteres, têm algum tipo de reunião, de conversa entre si para saberem como agir e a quem recorrer caso sejam agredidos numa reportagem?
“Sempre são feitas reuniões entre editores e repórteres quando surgem situações de cobertura em que sabe-se que poderá haver situações delicadas. A segurança dos profissionais que estão na rua é prioridade, mesmo que isso custe a própria cobertura da situação. Neste caso, pensa-se numa estratégia mais segura. A orientação principal num momento de agressão é nunca reagir. “
Você já sofreu algum ataque durante o vivo, ou durante alguma gravação?
“A primeira situação foi na cobertura de uma operação policial que prendeu em flagrante um suspeito por tráfico de drogas, em 2010. Ele olhou para a câmera e ameaçou se vingar do repórter e cinegrafista se as imagens fossem ao ar. A direção da emissora resolveu processar o criminoso. O caso foi encerrado numa audiência de conciliação em que ele se desculpou pela situação que havia causado. O juiz alegou que tal atitude violava a liberdade de imprensa. “
“Outra situação aconteceu durante a cobertura da paralisação dos caminhoneiros, ano passado. Minha equipe de reportagem e de outra colega da mesma emissora estava no mesmo local. Nós fomos cercados por caminhoneiros que exigiam intervenção militar. Uma das equipes estava prestes a entrar ao vivo quando o grupo nos intimidou. Imediatamente avisamos os editores-chefes e deixamos o local. Situação semelhante havia acontecido dias antes com outra equipe. Depois disso, a cobertura foi feita longe das concentrações. “
Os teus colegas de emissora têm medo de cobrirem protestos e manifestaçãos, afinal muitos populares não gostam da Rede Globo e querem atacar os funcionários.
“Todos nós sabemos das responsabilidades e consequências de uma cobertura de manifestações em momentos críticos. Uma das orientações é fazer a cobertura sem identificação na canopla do microfone e câmera. Mas em se tratando de cobertura local, é impossível que as pessoas não reconheçam. Ficamos em sinal de alerta, mas não deixamos de apurar a informação mais correta possível no local em que a situação está acontecendo. A não ser, claro, em situações extremas. “
A repórter Pâmela Marin, foi a primeira que sofreu uma tentativa de homicídio no estado. O caso foi no ano de 2010. Em entrevista ao portal N1 Entrenimento, Pâmela relembrou como foi o ataque. A jornalista estava de plantão na RBS TV Centro – Oeste, empresa que trabalhava na época, locada no interior de SC. Durante uma ronda no plantão, que fazia de costume, identificou uma pauta com a Polícia Ambiental. Ela saiu para produzir uma materia para a edição noturna do jornal, o RBS Notícias, sobre o período de piracema dos peixes, em Otacílio Costa.
Ela relatou como tudo aconteceu.”Nós entramos no rio Canoas, no barco juntamente com dois policiais da guarnição e depois de quase uma hora fomos surpreendidos com tiros de arma de fogo. Nós percebemos que algo diferente estava acontecendo, quando ouvimos o barulho de tiros, pois no mesmo momento do estouro, o barco balançou na água. Um dos policiais gritou: – Estão atirando.
O momento mais marcante para ela foi quando percebeu que havia sido baleada. “Eu vi a minha calça toda suja de sangue do joelho pra baixo. Como eu estava de calça jeans, ficou bem visível que era sangue mesmo. Os policiais olharam a minha perna e constataram que eu estava com marca de um projétil na panturrilha esquerda. A marca da perfuração da bala aparecia muito na roupa. Na hora, eu não senti dor nenhuma, mas depois parecia que a perna estava pegando fogo. Depois de uns dois minutos começou um tiroteio entre os policiais da embarcação e os suspeitos. Não dava de saber de que lado vinham os tiros. Um dos policiais, o Adão Mariano, também foi baleado, no caso dele o tiro atingiu a cintura, a bala não alojou no corpo dele, mas chegou a machucar. O barco e o motor foram perfurados pelos disparos” lembrou.
E disse ainda: “Como começou a entrar água dentro, os PMs remaram até a margem do rio e me levaram ás pressas para o hospital, em Lages, pois transbordava sangue da minha perna. Dentro do carro eu entrei em estado de choque, não conseguia chorar e nem falar. Depois me acalmei e pedi para o cinegrafista avisar a minha chefe sobre o fato e também para que ela avisasse a minha família. “
Pâmela chegou a pensar que iria morrer. “Eu vivi momentos de tensão. Pensei que era a minha hora.Enquanto o tiroteio acontecia, eu rezava em silêncio com as mãos apoiadas na minha cabeça. Não conseguia nem me mexer de nervosismo. Vivi uma experiência memorável que me ensinou muito sobre como valorizar a vida. Eu sempre gostei de produzir reportagens policiais e continuo gostando. Até pensei que ficaria com medo depois de viver a situação, mas acredito que fiquei ainda mais corajosa para enfrentar os desafios que a vida me proporciona.”
O suspeito que atirou contra a embarcação foi preso oito meses depois e foi a júri popular por tentativa de homicídio. Ele pegou nove anos de prisão e hoje deve estar terminando de cumprir a pena, em liberdade.
Pamela hoje é repórter na RICTV- Itajaí, é repórter geral e atua também no programa Cidade Alerta em rede estadual, conduzido pelo apresentador Henrique Zanotto.
Para Pamela, os jornalistas, às vezes, são vistos como uma ameaça, sendo que estão apenas tentando informar: “Nós só queremos transmitir a informação e deixar o telespectador atualizado com as notícias do cotidiano.”
Depois disso, Pâmela Marin, fez Direito, porque sempre gostou da parte investigativa do jornalismo. No final da faculdade, ela conta que nem pensou duas vezes, na hora de escolher o tema de seu TCC: “Periculosidade no ambiente de trabalho do jornalista.”
O que diz a FENAJ
Procuramos a FENAJ para uma nota de repúdio, sobre os casos citados nesta reportagem, a FENAJ disse que não fazem declarações genéricas e que as notas são divulgadas quando ocorrem casos graves. Confira a íntegra da nota abaixo:
“A FENAJ sistematiza os dados da violência contra jornalistas anualmente no Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil. Os relatórios de 2018 e dos anos anteriores estão disponíveis no site da FENAJ.
Quando à uma nota de repúdio, não fazemos declarações genéricas; nossas notas são divulgadas quando ocorrem casos graves. Elas também estão disponíveis no site da FENAJ.“
Outros órgãos
Tentamos entrar em contato, por dois meses, com o Sindicato dos Jornalista Profissionais de Santa Catarina e com a Associação Catarinense de Imprensa – Casa do Jornalista, por todas as formas e não obtivemos nenhum retorno. Também entramos em contato com a NSC TV, afiliada da TV Globo, em Santa Catarina, que preferiu não se manifestar, sobre o assunto. Procuramos também a RIC RecordTV e o SCC, que até o fechamento da matéria, não nos deu nenhum retorno. Assim caso façam a matéria será devidamente atualizada.