A novela Amor de Mãe, estreia da autora Manuela Dias no horário nobre global, termina nesta sexta-feira (9) com, podemos dizer, um saldo bem positivo. A narrativa impressionou não só pela qualidade da história, como também pelo texto impecável da autora, pela direção inspirada e pelo elenco de peso. Mas, como nem tudo são flores, houve também alguns deslizes que não passaram despercebidos.
Listo agora cinco qualidades e cinco defeitos de Amor de Mãe:
AS QUALIDADES:
- Texto impecável
O texto de Manuela Dias e de seus colaboradores emocionou e divertiu o público em vários momentos da história. A novela apresentou momentos de pura emoção, entremeados por uma modesta dose de humor. Foi simplesmente um deleite travar, mais uma vez, contato com as palavras da autora de minisséries consagradas, como Justiça e Ligações Perigosas, ambas exibidas em 2016.
- Direção realista
José Luiz Villamarim e cia. foram muito felizes no processo de transposição das palavras escritas por Manuela Dias para a telinha. Da direção de elenco à fotografia, passando pela cenografia, a novela apresentou esmero por parte dos profissionais envolvidos no projeto. Como prova disso, não faltaram elogios para o realismo dos cenários, como a casa de Lurdes, autenticamente digna de um modesto lar brasileiro, e a cidade cenográfica, montada nos novos estúdios do complexo MG4, que contou com um enorme viaduto que cortava o fictício Bairro do Passeio.
- Abordagem de pautas importantes
Militância foi o que não faltou na novela. A autora abordou temas espinhosos e contemporâneos, sem quase nunca errar no tom ou resvalar no didatismo escolar. Violência contra a mulher, alcoolismo, racismo, empoderamento feminino e ativismo ambiental foram alguns dos assuntos colocados na ordem do dia.
- Elenco irretocável
Elencos grandiosos nem sempre são garantia de sucesso de um produto audiovisual. Contudo, em Amor de Mãe, esta premissa se confirmou. Nomes como Adriana Esteves, Taís Araújo, Malu Galli, Irandhir Santos, Jéssica Ellen, Humberto Carrão, Murilo Benício e Chay Suede abrilhantaram as nossas noites com um verdadeiro show de interpretação.
- Show de Regina Casé
Mas quem roubou a cena mesmo foi Regina Casé com a impecável construção de sua Dona Lurdes. Os anos fora do mundo das novelas fizeram muito bem para a atriz, que arrebentou na composição da mulher simples e humilde que vive para encontrar o filho perdido. Certeza de que todos nós ficaremos órfãos do carinho e afeto dessa personagem, que já se inscreveu como um marco na teledramaturgia brasileira.
OS DEFEITOS:
- Excesso de coincidências
Quem acompanha telenovela sabe que há sempre várias coincidências envolvendo os muitos núcleos que compõem uma trama. Um mesmo bar ou hospital frequentado pela maioria do elenco, personagens que se cruzam por acaso na rua e segredos do passado que envolvem personagens desconhecidos são recursos muito bem vindos às narrativas televisivas.
Entretanto, quando mal empregados, ou empregados de maneira excessiva, podem gerar desconforto e irritação. Foi o que ocorreu com a primeira fase de Amor de Mãe. O recurso, chamado pela autora de “cortar para dentro da narrativa”, já fora utilizado pela mesma em trabalhos anteriores, vide Justiça (2016). Mas na novela das 21:00h o uso excessivo causou um certo desconforto para o espectador. No fim das contas, todo mundo conhecia todo mundo na novela…
- Esvaziamento de alguns núcleos
Como sabemos, novela é uma obra aberta, o que faz com que várias mudanças de rota ocorram ao longo de sua exibição. Nesse sentido, várias alterações podem ocorrer: personagens que não rendem tem participação minimizada, núcleos que começam bem e se apagam, outros que ganham um maior destaque… Com Amor de Mãe não foi diferente. A trama de Vitória (Taís Araújo), uma das protagonistas da trama, por exemplo, foi sendo esvaziada e perdendo função dentro da trama da metade para o final. Ao fim e ao cabo, Lurdes e Thelma engoliram a história da advogada Vitória, que se mostrou, em muitos momentos, frágil.
3. Representatividade importa?
O debate da representatividade racial, nos últimos anos, vem sendo muito cobrado por parte do público. Nesse aspecto, Amor de Mãe se destacou ao apresentar um elenco com um número de atores negros fora do convencional: foram, ao todo, 10 atores negros a participar da novela no elenco fixo. Contudo, tal representatividade foi sendo questionada, principalmente na reta final da novela. Pelo menos três personagens masculinos negros foram mortos na trama de maneira violenta: Wesley (Dan Ferreira), Marconi (Douglas Silva) e Lucas (Nando Brandão) foram alvejados com muitos tiros em suas mortes.
Já Camila (Jéssica Ellen) e Vitória (Taís Araújo) foram as personagens que mais sofreram durante a trama, justamente duas mulheres negras. Enfim, representatividade importa sim, mas quando não aprisiona um certo grupo social a velhos ou novos estereótipos. As histórias de personagens negros podem e devem ir muito além do lugar da dor e do sofrimento.
- Casais insossos
O romance entre personagens é um dos fatores mais elementares numa narrativa tradicional como a da telenovela. Nenhuma inovação do gênero pode prescindir desse ponto fundamental no desenvolvimento de toda e qualquer boa história. Contudo, o que se viu em Amor de Mãe foi um verdadeiro troca-troca de casais. Foi impossível torcer para que dois personagens dessem certo na novela. Como exemplo, cito o caso de Érica, a filha mais nova de Dona Lurdes, interpretada por Nanda Costa: ela começou a novela namorando Raul (Murilo Benício), que era casado com Lídia (Malu Galli).
Ao se separar, Érica atacou Sandro (Humberto Carrão), filho de Raul e seu ex-irmão (sim, Sandro foi filho de dona Lurdes por um tempo). Não satisfeita, na reta final, a personagem se envolveu com Davi (Vladimir Brichta), pai do filho de Vitória (Taís Araújo), que por sua vez vem a ser a atual esposa do Raul e mãe de Sandro. Enfim, tudo em casa!
- Segunda fase irregular
Quem aguardou a volta da novela pode ter ficado um pouco frustrado. Isso porque, após ter sido interrompida em sua metade pela pandemia de Covid-19, que assolou o Brasil no início de 2020, a saga de dona Lurdes retornou em março de 2021 com alguns problemas, o que prejudicou o seu fecho de ouro. Muito do que se viu nesta nova fase não correspondeu às expectativas da maior parte do público: virada brusca de alguns personagens, cujo maior exemplo foi Thelma, personagem de Adriana Esteves, que de mãe controlada virou uma serial killer de primeira hora; esvaziamento de tramas importantes; situações forçadas e roteiro cambaleante foram alvos do olhar da crítica e do público durante a exibição dos 23 capítulos finais da novela.
Enfim, esses foram alguns pontos que, ao meu ver, fizeram de Amor de Mãe uma novela que merece entrar para os anais da nossa TV brasileira.
As opiniões contidas nesta coluna são de responsabilidade do autor e não corresponde, obrigatoriamente, a linha editorial do N1 Entretenimento.
Texto escrito por Luan Siqueira**